fonte: O Globo
A pandemia de Covid-19 trouxe grandes transformações para o cotidiano médico, e algumas deixaram legados que devem ser incorporado permanentemente à prática, dizem os próprios profissionais ouvidos pelo GLOBO.
O uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) em todas as etapas de atendimento é um deles. A necessidade de proteção contra o novo vírus fez com que fosse adotado um protocolo rígido de paramentação que incluía a retirada quase cirúrgica dos equipamentos para evitar o contágio. Pós-pandemia, o procedimento deverá continuar, sobretudo em prontos-socorros, para proteger os profissionais não apenas do coronavírus, mas também de outros agentes infecciosos transmitidos pelo ar.
A rotina da lavagem das mãos entre um atendimento e outro dentro do hospital também foi amplamente incorporada não só pelos médicos na linha de frente da Covid-19, mas pelas equipes que dão assistência a outros pacientes.
— A prática traz segurança também ao paciente, que passa a correr menos risco de ser contaminado. É um protocolo que não poderá deixar de ser feito mesmo quando a pandemia acabar — explica Robson Moura, segundo vice-presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), que destaca que a higienização constante das mãos também entrou na rotina da sociedade em geral.
Além disso, durante a crise da Covid-19, também ocorreu a consolidação da telemedicina, autorizada no país em caráter emergencial no começo da crise. A consulta remota foi aliada, inclusive, na triagem de quem, diante dos sintomas da Covid, deveria ou não procurar um pronto-socorro no auge da pandemia.
— Embora não substitua a medicina presencial, a telemedicina complementa e facilita o acesso, resolvendo muitas coisas e direcionando de maneira muito mais racional aquilo que precisa ir para a consulta presencial — destaca Rubens Belfort Junior, presidente da Academia Nacional de Medicina, que lembra ainda que a modalidade pode economizar tempo e dinheiro tanto de profissionais quanto de pacientes.
Presidente do Cremesp, Irene Abramovich faz um alerta sobre excessos na prática:
— A medicina não pode ser exercida o tempo todo via internet, porque é uma relação humana, de ouvir e examinar o paciente.
A confiança e busca por orientação da ciência, com suas descobertas quase em tempo real, foram destacadas pelo patologista Helio Magarinos Torres Filho, diretor médico do laboratório Richet, como outro grande avanço nos últimos meses:
— Nunca se teve tão rápido uma descrição de uma doença como tivemos sobre a Covid. Toda a comunidade científica, dos laboratórios e das pesquisas trabalharam bastante.
Por não se ter uma terapia definida, a Covid-19 fez com que médicos tivessem que adaptar tratamentos de outras doenças à realidade dos pacientes com coronavírus. Esta experiência deu mais autoconfiança aos médicos à medida que seus pacientes se recuperavam.
— Desde o começo, falo para os meus colegas que temos que fazer a terapia intensiva que nós sabemos, que é a de cuidar de pacientes graves. Na Covid-19, cada paciente tem que ser ventilado de forma individual. Não existe receita de bolo, a resposta é a personalização. Usamos nossos conhecimentos sobre outras doenças respiratórias para ventilar o paciente de uma maneira que se evitasse mais lesões em um pulmão muito impactado pela doença — conta Felipe Saddy, médico intensivista chefe da UTI respiratória do Hospital Copa D’Or.
A relação médico-paciente também foi transformada nos últimos meses. Os profissionais de saúde se tornaram o apoio emocional dos pacientes internados em isolamento e a ponte com as famílias, que não podiam estar presentes. Muitos são os relatos de pacientes que ficaram próximos de seus médicos após superarem grandes dificuldades.
Por sim, outro grande legado foi a valorização do trabalho em equipe. Não apenas dos profissionais de saúde que atuam nos CTIs ou ambulatórios, mas de toda a organização hospitalar.
— O cuidado em saúde é complexo e depende de uma equipe multiprofissional, de uma rede organizada funcionando e do planejamento bem feito das ações. Isso ficou mais claro na pandemia porque o quadro do paciente piorava muito rápido, e era preciso de rapidez em conseguir uma vaga de UTI, por exemplo, função que não é do médico. Assim, ele percebeu quando isso funciona, o trabalho dele vai ficar mais fácil, porque ele vai poder atuar exclusivamente no cuidado do paciente — afirma Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).